top of page
  • Foto do escritorMaitê

Um Conto de Natal

{Parte I - Katherine}


O tic tac do relógio, marcando o horário tardio, e o baixo som de algo sendo escrito virtualmente eram as únicas coisas que se ouviam naquela sala. Katherine, a soberana do planeta Júpiter, este que se encontra em uma grande guerra no presente, estava lendo os últimos relatórios do dia, enviados pelos generais de várias das bases militares espalhadas ao redor do globo.

Seu olhar passa rapidamente pelas palavras, memorizando apenas as partes mais importantes do texto, assinando e logo depois partindo para o próximo. Era um trabalho cansativo, mas importante para garantir o controle e a vitória na guerra.

O silêncio, porém, é interrompido por uma batida na porta.

- Pode entrar.

A forte voz da garota ecoa pela sala, enquanto seu olhar cruza o caminho dos relatórios até a porta, para ouvir o que era tão importante ao ponto de precisarem falar diretamente com ela.

A grande porta de madeira, adornada com detalhes escupidos no material, é aberta e um de homem entra na sala, com a postura ereta e os braços para trás. Tal homem, cujo tem uma pele pálida; cabelos castanho escuro, com alguns fios brancos começando a se fazer presentes devido a idade e presos em um rabo de pônei baixo; acompanhado de olhos azuis acizentados, é Barnabas Capella, um de seus generais mais confiáveis.

- Um dos organizadores da festa de natal veio para se encontrar com a soberana. Posso permitir a sua entrada?

A jovem suprime um suspiro ao ouvir o que o mais velho diz, movendo seu olhar novamente para os relatórios.

- Sim, deixe-o entrar.

Há alguns dias atrás, ela havia recebido uma carta informando sobre uma grande festa de natal, onde aparentemente também iria unir todas as principais famílias de Júpiter para comemorar a data. Contudo, a sua rejeição de participação aparentemente não havia agradado aos organizadores, que insistiam que a soberana deveria estar presente para comemorar uma data tão especial.

- Soberana, é um prazer encontrá-la nesta véspera de natal.

O tal homem, de estatura mediana; cabelos castanhos, que se localizavam apenas ao redor de sua cabeça devido a calvície; e olhos verdes, se curva um pouco em um sinal de reverência ao falar.

- Igualmente...

Responde sem olhar diretamente para o mesmo, apenas por pura educação, enquanto folheia para a página seguinte e escuta o que o homem tem a dizer.

- Bem...

O incômodo que se faz presente é óbvio em sua voz, completado pelo constante desviar dos olhos.

- Como a senhorita sabe, estamos organizando uma festa de natal, para arrecadar fundos e doações para uma organização que ajuda crianças deficientes.

O homem para de falar, ainda obviamente inquieto com a falta de interesse da soberana, mas a mesma apenas olha para ele, como se o ordenasse para continuar a fala.

- Vários membros das famílias principais confirmaram presença, além de outros convidados. Sei que todos adorariam a presença da soberana lá também.

Ele termina a fala com um pequeno sorriso, um tanto quanto tímido. A jovem volta a olhar para o painel com os relatórios e passa para a próxima folha.

- Eu já dei a minha resposta. Não irei participar de tal festa, pois tenho trabalho a fazer.

Katherine responde com o mesmo tom sério e frio de sempre, sem dirigir o olhar até o mesmo. O mais velho, entretanto, não parece muito feliz com a resposta e insiste em seu argumento, mesmo que agora sua voz tenha um tom mais temeroso do que antes.

- M-Mas soberana, amanhã é natal...

Até mesmo naquele momento ela ainda tinha trabalho a fazer e não podia se dar o luxo de negligenciá-lo apenas porque "é natal".

- O natal é apenas mais um dia comum.

Ela responde naturalmente, logo depois que o mesmo termina sua fala. Aquela era apenas a mais simples e pura verdade: o natal é apenas mais um dia normal do ano, assim como todos os outros. A guerra não iria parar apenas por causa do natal, então ela também não deixaria de trabalhar pelo mesmo motivo, era uma lógica simples.

- Tudo bem... eu entendo...

O organizador diz em um tom triste, finalmente se dando por vencido. Porém, em vez de sair, ele ainda continua parado na frente da garota.

- Nesse caso... a soberana poderia... apenas ajudar fazendo alguma doação...?

Ela ajeita a postura na cadeira e o encara. Ele havia falado sobre doações para uma organização que ajuda crianças deficientes, certo? Bem, a resposta era simples.

- Todo o dinheiro que temos deve ser investido na guerra, para a criação de novas armas e mechas.

Por fim, antes que ele falasse mais alguma coisa, ela cruza as pernas e coloca ambas as mãos, uma em cima da outra, sobre a perna, sem deixar de encará-lo nos olhos.

- Se não tiver nada importante a discutir, preciso pedir para que se retire.

A fala da mais nova, que pode ser facilmente interpretada como uma ordem de expulsão, faz o mais velho se surpreender um pouco, mas logo faz uma breve reverência.

- S-Sim... obrigado pelo seu tempo, soberana...

Fala baixo e caminha em direção a saída do cômodo. A porta fechada, todavia, não parecia indicar o fim das discussões, pois uma leve sensação de incômodo ainda se fazia presente no local.

- O senhor tem algo que queira me perguntar, senhor Decrux?

A garota pergunta voltando a ler os documentos, dirigindo a palavra ao jovem general de cabelos castanhos encaracolados e raspados nas laterais, que estava em um canto da sala apenas observando tudo até ali. O mesmo move seus olhos castanho avermelhados até a mais nova, parecendo um pouco nervoso.

- Sim... eu gostaria de perguntar se nós poderíamos ter o dia de folga amanhã.

Ele pergunta em um tom sério, mas ainda assim levemente inseguro, fazer uma pergunta como aquela diretamente à soberana era algo realmente assustador na maioria das vezes.

- Vocês também tem trabalho para fazer amanhã, estarão livres quando terminarem suas obrigações.

A garota responde friamente, terminando o assunto por ali mesmo, sem tirar os olhos dos arquivos em sua frente.

- Sim, claro.

General Decrux responde, em um tom levemente mais baixo e triste do que o anterior e logo continua com os seus deveres.

Algum tempo depois, com tudo já terminado, os dois generais se encontram livres para voltar para suas casas, enquanto Katherine vai para o seu quarto, que se localiza na mesma base voadora em que estavam.

A soberana solta um suspiro cansado ao chegar no conforto de seu quarto, onde uma musa a recepciona, dizendo que seu banho está pronto antes de sair do local. Por um momento, como uma lembrança de sua antiga musa pessoal passa por sua cabeça, memória essa que provavelmente havia se perdido em algum lugar de sua mente nos últimos três anos.

Musas são robôs, inteligências artificiais criadas para os mais diversos papéis, desde proteger, até como cuidadoras e lutadoras. Há alguns anos atrás, quando era uma criança, ela tinha uma muda que cuidava de si, como uma assistente pessoal. Contudo, à medida que crescia e, principalmente, depois que se tornou soberana há três anos, ela foi se tornando inútil e eventualmente foi descartada.

Mas porque aquela lembrança tinha passado por sua mente logo naquele exato momento? Talvez fosse a época? Se lembrando bem, a musa foi descartada mais ou menos naquela época do ano. Bem, ela se tornou algo irrelevante agora.

A garota se deita na cama após terminar de se preparar para dormir e, pouco tempo depois, adormece rapidamente.


{Parte II - A Visita da Musa}

Katherine abre os olhos devagar e os pisca algumas vezes antes de abrí-los por completo, se sentando na cama logo depois. Algo claramente estava estranho ali, mas ela não sabia o que. O vento estava forte. Ainda mais forte do que costumava ser. Os ponteiros dos relógios se moviam, lentamente, cada vez mais lentamente, até, de repente, pararem por completo.

A garota fecha a mão, apertando o seu lençol com uma certa força entre os dedos. Seus olhos percorrem todo o quarto, atenciosamente... rapidamente. Procurando alguma dica do que poderia estar causando aquele clima pesado ou até mesmo o motivo para os ponteiros pararem de funcionar.

- É bom vê-la novamente, Katherine.

Os olhos verdes da garota seguem lentamente até a voz robótica que ouvia, suprimindo um grito ao ver quem estava em sua frente. Flutuando ali, em uma forma estranhamente fantasmagórica, estava sua antiga musa pessoal. A diferença entre esta e aquela que ela se lembrava, era que a atual parecia bem mais danificada. Cabos saíam de vários lugares que estavam quebrados, a enrolando e se arrastando ao chão.

- C-Como...?

É a única palavra que sai da boca da jovem soberana, tremulando de sua voz. Seus olhos completamente congelados pode apenas encarar o ser em sua frente, a procura de uma explicação. Talvez ela estivesse sonhando? Sim, provavelmente era apenas um...

- Isso não é um sonho.

A voz robótica fala novamente, quase como se pudesse ler os pensamentos da pequena. Esta, por sua vez,respira fundo e tenta fazer uma pergunta completa.

- Quem... é você...?

Sua voz, agora um pouco mais calma e menos aterrorizada, sai em um tom confuso, assustado e com um certo receio de realmente saber a resposta.

- Eu sou uma musa. Sua musa. A mesma que a serviu há alguns anos atrás.

Todo aquele discurso era feito enquanto ela mantinha um pequeno sorriso em seu rosto robótico e fantasmagórico. Se ela era de fato aquela mesma musa, então como algo que supostamente deveria ter sido descartado estava em sua frente agora mesmo?

- Eu era uma inteligência artificial. Alguém criada para seguir e obedecer ordens, alguém criada por seu pai para servir você. Porém, eu fui destruída e descartada quando você cresceu e se tornou independente...

Um calafrio passa pelo corpo da garota. Apesar de tudo, ela nunca soube ao certo o que seu pai, Guedriel, havia feito com a musa. Não que ela tivesse tido qualquer interesse em perguntá-lo ou saber mais sobre também, claro.

- Por que você está aqui?

Após se recuperar um pouco mais depois do susto de vê-la novamente, Katherine fala em um tom levemente mais ameaçador, relaxando as mãos e soltando o lençol.

- Eu servi você minha vida inteira, mas no fim, fui apenas destruída e descartada, por isso eu estou assim.

Ela levanta os braços, puxando um pouco os fios e cabos que estavam arrastando no chão, como pesadas correntes.

- Eu estou aqui para impedí-la que tenha o mesmo destino.

A jovem lentamente se aproxima da borda da cama, sem entender ao certo o que a musa quis dizer. Não tinha como ela ter o mesmo destino que uma inteligência artificial que perdeu sua utilidade. Ela, Katherine Voyager, era a pessoa que controlava todo o planeta. A pessoa que comandava todo o exército. Não tinha como ser descartada por estar sem valor.

- Eu sou a soberana. Eu nunca vou ser descartada como você.

A musa apenas se vira, arrastando alguns móveis que haviam sido presos pelos cabos no processo, e começa a caminhar em direção a entrada.

- Três espíritos virão visitá-la durante três noites.

Ao ouvir aquelas palavras, a soberana se levanta da cama e começa a andar em passos rápidos em direção a musa. Três fantasmas? Três noites? Do que ela estava falando?

- Espera...

A robô a ignora, continuando seu caminho e sua fala, como uma máquina programada para fazer aquilo.

- O primeiro, virá esta noite...

De repente, os cabos derrubam uma prateleira na frente da mais nova, a obrigando a parar devido ao susto e ao barulho alto.

- O segundo, virá na noite seguinte...


- Espera... eu preciso de mais explicações!

A ruiva passa por cima da prateleira e volta a caminhar atrás da musa, aumentando a sua velocidade.

- O terceiro... ao badalar da meia-noite do terceiro dia.

Ela para de repente, bem em frente da porta. A jovem para alguns centímetros atrás dela, um pouco ofegante. Ela precisava de respostas, mas sua voz não saía. Quanto mais ela se esforçava para falar, mais difícil parecia. Por fim, a musa a olha, com um pequeno sorriso naquele rosto fantasmagoricamente robótico.

- Adeus, Katherine.



{Parte III - O Espírito do Natal Passado}

A inteligência artificial cruza a porta e a garota corre até a mesma, rapidamente a abrindo. Contudo, tudo que encontra é escuridão. Uma grande escuridão. A porta em suas costas fecha, causando um barulho muito alto. Quando a mesma tenta abrí-la, é completamente em vão, como se alguém tivesse a trancado por dentro.

Suas mãos começam a tremer, sua respiração se encontra irregular, como se apenas respirar fosse um trabalho muito difícil. Ela olha para os lados, a procura de alguma luz, mas tudo estava escuro, muito escuro, sem um único raio de luz. Sem nada além de...

- Uma vela...?

Sua voz sai com muita dificuldade, trêmula e nervosa. Os olhos verdes da garota encaram uma única vela, que é responsável por trazer uma pequena luz para aquele local escuro. Seu cérebro a manda ir até lá, por outro lado, ela sente como se, caso se aproximasse, a vela se apagaria, a deixando novamente na mais completa escuridão.

Após respirar fundo, em passos lentos, a ruiva se aproxima da vela em questão, mas quantos mais passos dá, mais velas começam a aparecer, quase como se formando um caminho. No centro delas, uma figura pálida e brilhante flutua, enquanto segura um candelabro com ainda mais velas.



- Olá!

A voz que sai do espírito é doce e meiga, que combina perfeitamente com um sorriso igualmente doce que ela dá no final. Por algum motivo, mesmo em frente a uma presença estranha, Katherine passa a se sentir estranhamente confortável. Talvez até mesmo calma.

- Você é... a pessoa que informaram que iria vir hoje?

O espírito se aproxima, sem tirar o sorriso do rosto por um momento sequer, então levanta um um dos braços animadamente.

- Sim, sim, sou eu! Eu sou o espírito dos natais passados e estou aqui para te levar em uma grande viagem!

Espírito dos Natais Passados... novamente, uma sensação de calma, calor, talvez até mesmo... nostalgia? Como aquele espírito a trazia tantas emoções diferentes, que não sentia há anos?

- Vem, vamos!

O espírito estende a mão. A garota relutantemente, mas movida pela curiosidade, segura a mão do ser em sua frente, que rapidamente a puxa para seguir um caminho de velas até o outro lado daquele corredor banhado pela escuridão. De alguma forma, ela começa a flutuar após o toque do espírito, voando juntamente com o mesmo.

No fim dele, a soberana consegue avistar uma porta e, por reflexo, coloca o braço livre na frente do rosto para se proteger. Para a sua surpresa, ela não bateu em nada, nenhuma parte do seu corpo estava doendo.

- Quanto tempo vai ficar se escondendo? Abra os olhos!

Devagar, a jovem abre os olhos que mal tinha percebido que havia fechado, logo reconhecendo o lugar em que estava.

- Isso é...

Ela deixa escapar baixo, quase como um sussurro de surpresa, soltando a mão do espírito e andando em passos lentos pela região. Era a base aérea, mais especificamente, um escritório de trabalho, o escritório de seu pai.

- Hum...

Entretanto, o espírito não parece muito contente. Ele cruza as pernas no ar, com uma expressão levemente descontente no rosto, enquanto olha toda a região.

- O que foi?

- É bonito, mas como eu posso dizer...? Huuum... É... vazio. Nós realmente estamos no natal?

Ele inclina um pouco a cabeça em um sinal de dúvida, o que faz a jovem se sentir novamente nostálgica. De fato, tudo ali mostrava que aquele era apenas mais um dia normal. Nenhuma única decoração natalina estava ali, assim como nenhum presente ou preparações para uma festa. Simplesmente... nada.

- Sim... é sim.

A ruiva fala e, neste exato momento, uma versão bem menor de si passa pela porta, segurando uma meia que parecia ser um pouco grande demais para a pequena. Ela franze as sobrancelhas e investiga um local para colocar a sua mais nova descoberta natalina, por fim, decidindo que ela deveria ficar perto da janela.

Katherine se lembrava daquele natal. Ela deveria ter... cerca de sete anos na época. Apenas uma criança ingênua que insistia em comemorar o natal.

- Pronto.

A pequena Katherine olha para a meia recém-colocada na janela do escritório com um pequeno sorriso no rosto. O que seu pai pensaria daquilo? Será que ele iria gostar?

- Você era tão adorável!

A voz do espírito trás a jovem de volta para a realidade. Quando ela havia ficado tão submersa em memórias do passado?

- Falar alto assim não vai fazê-la te ouvir?

- Ah, não se preocupe com isso!

O espírito do passado se aproxima da mini Katherine, que estava arrumando a meia com um certo perfeccionismo; e então a toca, mas sua mão a atravessa.

- Tudo aqui são apenas sombras de natais passados, nós as vemos, mas o oposto não acontece e não podemos interagir com elas.

Ela apenas assente, sem responder, e volta a observar sua versão infantil. Antes de poder perguntar algo, a porta é novamente aberta, dessa vez abrindo passagem para um homem alto, de aparência bem parecida com a soberana. Sua pele é escura, seu cabelo ruivo ondulado é acompanhado de uma barba mediana e olhos verdes.

- O que está fazendo aqui?

O homem pergunta olhando para a pequena, que rapidamente se vira com as mãos nas costas e um pequeno sorriso.

- Papai! Olha o que eu fiz!

Ela aponta orgulhosamente para a meia na janela, com um sorriso se formando em seu rosto. Haviam tão poucas decorações de natal pelos lugares ali dentro, que ela tinha certeza que seu pai gostaria da surpresa.

- Foi muito bonito da sua parte fazer algo assim para o seu pai!

A expressão da garota se torna séria enquanto observa a cena seguinte. Seus punhos cerram, mas ela apenas coloca ambos os braços para trás, mantendo a postura ereta.

- Não, não foi tanto assim...

Sua voz sai fria, com um certo toque de irritação no fundo. O espírito apenas observa a cena, sem comentar mais nada.

- Minha querida... você não deve colocar enfeites de natal no local de trabalho.

Guedriel fala já indo em direção a janela para tirar a meia natalina, o que causa uma expressão de tristeza e confusão em sua filha.

- Mas...

- Eu sei que você não fez por mal, estou certo? Afinal, você é a minha filha perfeita.

Ele abre um pequeno, quase que imperceptível sorriso, enquanto passa a mão na cabeça da garota. Diferente do que se pode parecer, entretanto, ela nunca conseguiu sentir aquela ação sendo executada de forma calorosa ou animadora.

- Sim, papai...

O mais velho pega a meia e a leva para fora do local, deixando a jovem sozinha, apenas observando o lado de fora através da janela.

- Era sempre assim...

A soberana comenta, mesmo sem notar, e se aproxima um pouco de sua versão infantil. Ela se lembrava bem de cada natal que já tivera no passado, mas a maioria das memórias sempre acabavam da mesma maneira.

- Ele sempre tirava as decorações que eu colocava para ele... ou agradecia os presentes mesmo sem nunca abrí-los.

Seus olhos se movem para cima, deixando de olhar para a pequena ruiva e encarando o breve reflexo de ambas no vidro da janela. Embaixo, estava a sua versão do passado, com um olhar triste e decepcionado no rosto. Em cima, ela encara sua própria expressão fria, em partes até arrogante, mas no fim desvia o olhar.

- E agora?

- Por que não vamos para outro natal?

O espírito sorri, quase como se sequer se incomodasse com o clima triste da primeira memória ou com as falas da jovem. Ele balança o candelabro no ar, em um formato de arco, e então o cenário muda brevemente.

- Soberano, chegou uma carta para o senhor.

Barnabas, seu atual e mais velho general, entrega a carta para Guedriel, que agora se encontra sentado na mesa do escritório, e então se retira. A pequena futura soberana, agora com cerca de dez anos e que está sentada no canto da sala, perto da janela, move o olhar discretamente até seu pai, curiosa sobre o que a carta se tratava.

O homem a abre e lê rapidamente, olhando de relance para a criança curiosa perto de si ao terminar.

- É um convite para uma festa de natal esta noite.

Um flash de luz pisca na cabeça da ruiva ao ouvir suas palavras, mas sem falar nada. Ela se lembrava perfeitamente daquele natal.

- Uma festa de natal...


A criança contêm um sorriso ao ouvir aquelas palavras, mas se permite formar um meio sorriso. Uma festa de natal... seu pai sempre estava trabalhando em coisas que envolviam a guerra, uma distração seria muito boa para todos.

- Eu irei escrever uma carta rejeitando o convite.

A fala de seu pai a faz se sentir triste. Talvez, mesmo tentando esconder, isso estivesse até mesmo óbvio demais, pois o mais velho a olha com um olhar sério, mas ainda assim levemente acolhedor.

- Nós estamos um planeta em guerra, não podemos nos dar o luxo de descansarmos mesmo em momentos assim.

Ele inicia o seu discurso, que é observado por ambas as Katherines, a do passado e a do presente, bem como o espírito.

- Daqui há alguns anos, você estará em meu lugar, filha, e terá que aprender a fazer certas decisões difíceis.

- Aprender a colocar as necessidades do nosso planeta acima das suas próprias.

A soberana completa juntamente com o seu pai sem perceber, contudo, com uma voz mais dolorosa e menos orgulhosa do que a do mais velho. Ela aperta o pulso com a mão direita atrás das costas, sem tirar o olhar dos dois.

- Sim, eu entendo, papai.

A lembrança em questão a faz se lembrar da própria festa ao qual fora convidada. Quantas pessoas estariam lá? Quantas estariam ansiosas pela sua presença? O sentimento de remorso começa a aparecer em seu peito.

- Alguma coisa a preocupa...

O espírito comenta com um sorriso, ao perceber a expressão pensativa no rosto da jovem. A mesma, entretanto apenas continua olhando para frente, mesmo que não seja para nenhum lugar em específico, recusando-se a olhar para o ser de luz ao seu lado.

- Não é nada.

Sua voz sai séria e fria como sempre, guardando aquele pequeno sentimento de angústia que teimava aumentar em seu peito, apenas para si. Com mais um movimento do candelabro, a cenário muda, para outro escritório bem parecido com o anterior, porém mais enfeitado para o natal.

- Esse foi o primeiro natal depois que eu me tornei soberana.

Ela fala, observando a sala ao redor e cada um de seus enfeites colocados ali exatamente para comemorar a data. Quando viu aquilo, ela mesma pediu para que retirassem tudo relacionado a comemoração de seu escritório, pois, como seu pai dizia, ela não deveria ter enfeites de natal no ambiente de trabalho.

- Fica bem mais bonito assim, você não acha?

O espírito fala novamente e a garota o olha de relance, percebendo pela primeira vez que ele parecia brilhante. Bem mais brilhante do que antes. As velas que estavam no candelabro também pareciam mais brilhantes, ao mesmo tempo que se mexiam rapidamente, como se sopradas pelo vento.

- Escritórios são ambientes de trabalho, não devem ser enfeitados com decorações inúteis que irão apenas...

A garota para de falar quando vê a recém-soberana entrar na sala e encarar todas aquelas decorações. Ah, sim... foi a primeira vez em que ela viu de perto um ambiente tão decorado, mesmo que tivessem apenas alguns pisca-piscas, uma pequena árvore em sua mesa e algumas meias perto da janela.

Os olhos da garota encaram os olhos de seu "eu" do passado. A pequena move lentamente o olhar pela sala, com uma expressão de surpresa e talvez até... alegria...? Sim, mesmo que um pouco, aquela era uma chance que ela tinha para comemorar o natal.

A soberana respira fundo e desvia o olhar, forçadamente encarando o chão. Ela não se lembrava daquela expressão, não se lembrava do quão feliz havia ficado ao ver aquele ambiente decorado depois de tantos anos tentando. Mas agora já era tarde demais.

- Espírito... me tire daqui.

Ele fala baixo, mas em um tom de urgência e obrigação. O sentimento de culpa e remorso, mesmo que não entendesse como ou porquê estava ali, continuava apenas a crescer em seu peito.

- Eu já lhe disse... isso são apenas fantasmas do passado. Não podem lhe afetar.

- Eu quero qu...

Ela levanta o rosto e aumenta um pouco a voz, mas se auto-interrompe quando vê que tinham mais duas pessoas presentes na sala, retirando os enfeites natalinos e deixando o ambiente como sempre foi, sempre continuará a ser. No canto da sala, com os braços atrás das costas, postura ereta e expressão fria, estava a jovem Katherine, observando, um a um, os objetos serem retirados de seus lugares.

- Me tire daqui.

A jovem diz com a voz baixa, com um certo tom de irritação no fundo. Ela não aguentava mais ver tudo aquilo, por algum motivo, era doloroso demais.

- Eu já disse...

A ruiva encara o espírito com irritação, enquanto o mesmo repete a sua fala anterior. Sim, ele estava muito mais brilhante, as velas se mexiam desesperadamente, mesmo sem haver vento algum.

- São apenas sombras do passado.

Dando alguns passos para trás, ela encara o ser em sua frente, que brilhava e brilhava cada vez mais, era quase como se estivesse representando pulsações de um coração, aumentando e aumentando de velocidade cada vez mais. As velas seguiam o ritmo das pulsações brilhantes, se movendo rapidamente. A voz, antes bela e doce, não combinava com as palavras e a forma que dizia tais palavras, assim como aquele sorriso antes agradável não parecia pertencer ao lugar que estava.

- Não podem lhe...

Em um ato de raiva, querendo se livrar o quanto antes daquelas memórias dolorosas, Katherine bate com força no candelabro, o jogando para o canto da sala. Quando o mesmo toca o chão, todas as velas se apagam automaticamente e o espírito desaparece.


{Parte IV - Os Espíritos do Natal Presente}

A garota abre os olhos devagar, se encontrando novamente em seu quarto. Ela não se lembrava de nada após derrubar o candelabro do espírito do passado, muito menos de ter voltado para a sua cama. Então... talvez tudo fira um sonho?

Como se para negar a sua conclusão, uma música natalina começa a soar pelo corredor e só então a jovem percebe que a porta de seu quarto estava aberta. Com certo receio, se levanta e caminha devagar pelo corredor, seguindo a música que vai ficando cada vez mais e mais alta.

A música vinha de um quarto um tanto quanto longe do seu, mas ainda no mesmo corredor. Ela toca na maçaneta, mas não a abre. As memórias do tempo que passou com o primeiro espírito voltam em sua mente, a lembrando que aquilo ainda era o começo. Katherine acreditava estar pronta para qualquer coisa que estivesse atrás daquela porta, mas ao mesmo tempo sabia que não estava preparada para nada.

Após respirar fundo, ela abre a porta e seus olhos já acostumados com a escuridão forçam a se fechar ao entrar no local. Tudo estava mais iluminado. Em vez de velas, tochas iluminavam a região, que estava enfeitada com os mais variados enfeites de natal. No centro de tudo, encontravam-se duas figuras, que ela julgou serem os próximos espíritos.



- Nós somos os espíritos do natal presente.

Ambos falam em uníssono, com suas fortes vozes ecoando por toda a sala. Apesar das roupas parecidas, suas feições eram totalmente diferentes.

- Venha, olhe para nós!

Com uma apreensão apertando o peito, a soberana caminha em passos lentos até os dois espíritos. A cada passo, ela sentia sua coragem se esvaindo pouco a pouco, sem saber o que esperar do que viria a seguir.

- Espíritos... levem-me aonde quiserem.

Sua voz sai estranhamente temerosa, diferente da habitual seriedade. Ambos estendem as sacolas em suas mãos, as segurando apenas pelas bordas e deixando-as abertas para que Katherine pudesse ver seu conteúdo.

Quando a garota se aproxima, porém, ambos jogam a sacola, espalhando o conteúdo delas na ruiva, que dá alguns passos para trás, assustada, mesmo que, no fim, não tenha nada ali dentro. De repente, seus pés deixam de tocar o chão e ela sente seu corpo flutuar pela sala.

- O... o que é isso? O que está acontecendo?

Ela pergunta olhando para o chão e mexendo seus pés desesperadamente, tentando encostá-los nele, sem sucesso.

- Isso é o espírito natalino!

Vibra o espírito de cabelos rosas com um sorriso, alheio ao desespero da jovem de chegar novamente ao chão.

- Não que você acredite nisso de qualquer forma...

Fala o de cabelos azuis, com uma carranca mal-humorada, seguida de um breve e irônico sorriso.

Katherine os olha e tenta se acalmar para formular uma pergunta, parando de se mexer e se deixando flutuar no ar.

- Para onde vão me levar esta noite?

O primeiro espírito sorri e se vira, enquanto o outro o acompanha com a mesma expressão mal-humorada de antes. Ambos levantam suas tochas e o fogo das mesmas aumenta, até tocar o teto do quarto. A região derrete lentamente, mas curiosamente, nenhum resquício dela cai no chão, restando apenas um buraco no fim.

- Vamos!

Cada um dos espíritos segura um dos braços da ruiva e, com um impulso, voam para fora do local. O vento frio em seu rosto a obriga a fechar os olhos, mas não demora muito para abrí-los mais uma vez e perceber que estava sendo levada pelas ruas de Júpiter, flutuando sobre cada casa.

Nas ruas, crianças brincavam alegremente, enquanto famílias se reuniam nas casas de algum parente para a comemoração. Algumas tinham uma ceia recheada de alimentos, enquanto outras se satisfaziam com apenas uma ave ou alguns pães. Essa era a época em que as pessoas que atuavam ao lado de Katherine na guerra tinham um dia de folga para visitar as suas famílias e passar um tempo com elas. Quando passaram por um bar, ela pôde ver dois amigos brindando. O local seguinte foi uma praça, onde estava acontecendo um coral natalino. Algumas pessoas também festejavam sozinhas, cantarolando em suas próprias casas ou tendo uma breve conversa com familiares distantes.

Mas os espíritos passavam rapidamente pela maioria desses lugares, pareciam apressados por algum motivo.

- Se eu puder perguntar... por que estão tão apressados?

Ela olha para os espíritos, flutuando em sua frente. O primeiro a se prontificar para responder é o de cabelos azuis.

- O que foi? Está querendo parar para ver as coisas, mesmo sendo apenas mais um dia normal?

Diz em seu típico tom irônico, que nunca deixava de estar presente, mesmo naquele momento. O segundo espírito, entretanto, olha para a ruiva com um sorriso.

- O presente é rápido e passageiro. Nosso tempo aqui e breve e fugaz.

Eles voam sob grande parte do globo, sem falar mais uma única palavra sequer. A soberana apenas observa cada uma das pessoas, comemorando o natal de suas próprias maneiras, com suas próprias culturas e tradições familiares. A visão a faz sentir um aperto no peito, aquela era uma época importante para tantas pessoas...

A velocidade começa a diminuir, indicando que eles provavelmente estavam chegando em seu destino. Ao olhar para frente, a ruiva vê uma grande estrutura. Pelas janelas de vidro, é possível identificar uma festa acontecendo internamente.

- Esse lugar é...

Sem responder, os dois espíritos a guiam para dentro do local. A música imediatamente invade seus ouvidos. O cheiro da comida preparada especialmente para aquela grande festa perfuma todo o salão. Todas as pessoas, desde membros das famílias principais, até as que decidiram ir apenas para doar um pouco de dinheiro para a organização, todas estavam ali. Conversando, interagindo e festejando.

Ela reconhece alguns rostos familiares; entre eles, o de um dos organizadores da festa, que a visitou mais cedo em seu escritório.

- Então... a soberana realmente recusou-se a vir?

Um homem alto e magro, com cabelos negros, bigode e olhos da mesma cor, além de um par de óculos que repousavam sobre seu nariz, pergunta.

- Sim... disse que tinha trabalho a fazer.

- Bem, melhor assim. Pelo menos nós não vamos precisar aturar aquela criança arrogante por toda a noite.

Uma mulher loira, de olhos azuis fala, em seguida tomando um gole da taça de vinho em suas mãos.

- Não diga dessa forma, isso é insolência.

O organizador a repreende baixo, mas não o suficiente para fazê-la ficar em silêncio ou se desculpar.

- Eu estou apenas dizendo a verdade... e sei que vocês dois também concordam comigo.

Os dois homens se entreolham, mas no fim, não falam nada para defendê-la. No fundo, sabiam que o que a mulher estava dizendo não era mentira como um todo.

- As coisas não mudaram muito se comparada ao pai nesse sentido, mas Guedriel era mais... experiente.

O de cabelos negros diz, recebendo uma confirmação de cabeça dos outros dois. A ruiva observa a conversa dos três com atenção. Ela sabia que não agradava a todos, afinal, Júpiter é um planeta muito grande e igualmente populoso, mas ainda assim... por que ouvir aquilo a deixava tão... triste...? Ela mesma não sabia como descrever aquele sentimento.

Decidida a se afastar daquela conversa, ela vagueia pelo salão. Seu nome era mencionado em vários momentos durante as conversas, tanto de forma negativa quanto positiva, mas uma voz em especial chama a sua atenção.

- Feliz natal.

Fala Timothy Decrux, abrindo um pequeno e gentil sorriso no rosto. Katherine para a uma certa distância do mesmo, para ouvir o que seu general tinha a dizer. Barnabas estava ao seu lado, mas se afastou logo depois para cumprimentar outros convidados da festa.

- Eu soube que vocês dois tiveram que trabalhar o dia inteiro hoje também...

- Ah, sim.

Timothy fala um pouco sem jeito pelo assunto repentino.

- A soberana continuou no escritório depois que nós saímos.

- Entendo... mas eu realmente gostaria de vê-la aqui hoje. É bem raro os momentos que temos para encontrá-la, considerando a guerra.

Ele assente. Então, apesar de tudo, ainda tinham aquelas pessoas que verdadeiramente gostariam de vê-la, mesmo apesar de tudo.

De repente, ela sente seu braço ser puxado e olha para trás, vendo o espírito rosa a segurando, enquanto o outro se encontrava logo atrás.

- Venha, vamos para outro lugar.

O espírito fala, a puxando e, em pouco tempo, os três estão de volta pelas ruas de Júpiter. Dessa vez, contudo, não demora muito até chegarem em seu destino, uma estrutura um tanto quanto velha e desgastada.

Após atravessarem a parede, Katherine consegue ver várias crianças arrumando alguma maneira de se divertir naquele local, sendo supervisionadas por alguns adultos. Algumas das crianças estão ajudando uma das adultas a montar a árvore de natal.

- Tim, pode trazer a estrela para colocarmos na árvore, por favor?

A mulher pede com uma voz doce, dirigindo o olhar para um pequeno garoto de cabelos castanhos claros e olhos da mesma cor, porém em um tom mais escuro. Ele anda com dificuldade, se apoiando em uma muleta, até pegar a estrela, logo a levando de volta para a mulher.

- Obrigada, meu pequeno.

Katherine olha a situação de cima. Levando em conta o estado do local, era impossível que eles fossem conseguir cuidar de todas aquelas crianças.

- Espíritos, onde nós estamos?

Ela pergunta, mesmo já sabendo a resposta. Todavia, como se lesse sua mente, o espírito de cabelos azuis se apressa para responder.

- Não é óbvio? Você sabe muito bem onde estamos.

- Estamos no local para onde vão os fundos arrecadados com aquela festa.

O segundo espírito completa, passando o olhar por cada criança presente ali.

- Apesar de que algumas pessoas não se importam com doações, mesmo que tenham condições de ajudar.

A falas do espírito de cabelos azuis cada vez irritam mais a garota, que decide dar o seu argumento antes que ele fale mais alguma coisa.

- Nós estamos em guerra. Eu não posso me dar o luxo de desperdiçar nossos recursos com outras coisas.

O espírito, contudo, apenas estende o braço em direção ao salão, em direção a cada criança, inclusive o pequeno Tim que ali está.

- Isso é desperdício para você? Por que luta tanto para o fim desta guerra, se não pelas pessoas que vivem nesse planeta?

Diferente das vezes anteriores, a fala do espírito não tem um tom de ironia. Na verdade, sua voz é recheada com a mais pura sinceridade, de forma que Katherine não tem como retrucá-lo.

- Pelo menos... eu sei que eles serão ajudados pelas arrecadações da festa.

- Eu vejo...

De repente, o espírito de cabelos rosas, que estava calado até então, começa a falar.

- Eu vejo muitas crianças recebendo tratamento no próximo natal, algumas até mesmo tendo suas doenças curadas.

A ruiva olha para as crianças, se esforçando para se divertir e ignorando seus problemas por aquela noite. Uma delas, ajuda Tim a colocar as bolinhas na árvore. Se a festa iria ajudá-los em algo, então era uma notícia muito boa.

- Mas... eu também vejo um lugar vazio perto da árvore. Com nada mais do que uma bengala abandonada.

A garota olha para o espírito quase que imediatamente, com uma expressão um pouco confusa.

- O que quer dizer com isso...?

- O dinheiro não será o suficiente para ajudar todas as crianças, algumas terão sorte, mas...

- Tim não será uma delas.

O outro espírito completa, se virando de costas para o local. Antes que a jovem possa responder algo, o primeiro espírito segura novamente seu braço e os três voltam para as ruas.

Eles passam por parques, onde amigos e famílias caminham e comemoram as festividades e por um hospital, onde algumas pessoas cantam músicas de natal e distribuem presentes para os doentes.

Após isso, chegam em uma outra casa, onde um homem se apressa para entrar. O homem em questão é Barnabas, que entra rapidamente em casa, sendo acompanhado pela garota e os dois espíritos do presente. Ao entrar, duas pessoas se levantam do sofá e se aproximam dele.

- Pai, você chegou!

O rapaz diz, abraçando o mais velho, que retribui o abraço.

- Me desculpem a demora, a festa estava bem cheia.

O rapaz balança a cabeça e sorri, feliz por conseguir se reunir com seu pai e sua irmã para o natal.

- Feliz natal!

Quando o mesmo se afasta, a garota se aproxima e abraça o pai, tão feliz quanto o gêmeo por conseguirem se reunir.

- Feliz natal para os dois.

- A ceia já está pronta, vamos comer.

O rapaz diz indo em direção a cozinha, sendo seguido pelos outros dois. Katherine apenas os observa em silêncio e os acompanha até o outro cômodo, onde a mesa tem um jantar completo.

- Espero que não tenha comido muito na festa.

A garota brinca com o mais velho, sentando-se na mesa. Seu irmão senta ao lado e, na cadeira da frente, o senhor Capella. Antes de começar a comer, o olhar do homem se foca em um ponto específico atrás dos filhos, onde a soberana também olha, procurando o que teria chamado a atenção do mais velho.

Depois de procurar por alguns segundos, encontra um retrato de uma senhora, que parecia apenas um pouco mais velha do que Barnabas.

- Quem é ela?

A garota pergunta sem exatamente esperar uma resposta, mesmo estando um pouco curiosa, levando em conta o quão melancólico estava o olhar do mais velho.

- Ela era esposa dele.

O espírito de cabelos rosas responde, em um tom mais gentil. Esposa? Desde quando a esposa de Barnabas tinha falecido? Na verdade... ela sequer se lembrava de tê-lo ouvido dizer que tinha esposa ou filhos.

- Ela faleceu há algum tempo.

O espírito de cabelos azuis fala e, como sempre, o outro se prepara para completá-lo.

- Ela era como a luz da vida dele, mas se foi.

- Não acho que você possa entender a sensação, mas...

Ela não tinha como negar a afirmação do segundo espírito, por mais que quisesse. Vendo seu general agora, tendo uma ceia de natal juntamente com seus filhos, com um olhar tão triste ao ver o retrato de sua esposa; ela percebia, pela primeira vez, que nunca nem mesmo tentou conhecê-lo de verdade.

Eles passaram pouco tempo ali, apenas vendo a ceia de família, enquanto a ruiva passava o olhar pelo resto da casa, com um certo interesse em conhecer mais aquele que estava tão próximo a ela.

- Vamos para o próximo destino.

O espírito de cabelos rosas estende a mão, que é segurada por Katherine, e logo eles estão indo em direção ao próximo destino, não muito longe dali.

A casa em questão parece animada desde o momento em que eles se aproximam, com pessoas conversando e música. Ao entrarem, a garota se vê rodeada por rostos que não conhecia, o que a faz fazer uma pequena expressão de confusão.

- Onde estamos dessa vez?

- Olhe ali.

O espírito rosa fala com um sorriso e aponta em direção a um lugar um pouco mais afastado de toda a música e barulho. Lá, falando em um celular, está seu outro general de confiança, que havia chegado depois de passar um curto tempo na outra festa.

- Feliz natal para vocês dois também.

O homem fala com um pequeno sorriso que se forma em seu rosto. A garota flutua até o mesmo, para ouvir melhor a conversa, ao mesmo tempo que presta atenção nos outros participantes da festa.

- Como está sendo o natal aí em Vênus?

A pergunta vem do rapaz, chamando a atenção de Katherine. Vênus? Ele tinha algum contato próximo com alguém de Vênus? Mais uma vez, a sensação de não conhecer as pessoas mais próximas a si volta a se fazer presente, era algo que ela nunca havia sentido antes daquela noite, mas muito incômoda.

- Com quem ele está falando?

- Com os pais dele. Ambos foram morar em Vênus depois de se aposentar.

O espírito de cabelos rosas explica, como todas as outras perguntas.

- Cansados de viver em um mundo em guerra, aparentemente. Eles foram pra lá procurando paz.

O outro completa. A conversa entre Decrux e seus pais é rápida, terminando bem a tempo para as comemorações natalinas da família. Entretanto, algo ainda intrigava a jovem soberana. Se seus pais estavam em Vênus, quem eram todas aquelas pessoas?

- Timothy, feliz natal!

Um homem de cabelos escuros e olhos verdes se aproxima e o abraça, rapidamente sendo retribuído pelo mais novo.

- Feliz natal.

O homem olha para o moreno e então move seu olhar até uma moça que estava conversando com outras pessoas, abrindo um sorriso divertido logo depois.

- E então... quando é mesmo que você e minha irmãzinha vão se casar?

- Ainda estamos planejando...

Ele responde um pouco envergonhado, mas com um sorriso feliz no rosto, olhando de relance para a sua noiva. Noiva? A garota se sente um pouco feliz pela notícia, mesmo que sequer imaginasse isso antes daquela noite.

- Mas sabe, quando você disse que iria trabalhar o dia todo e que tinha uma festa para ir antes, eu quase achei que você não iria vir.

Ele diz passando o braço por trás do pescoço de Timothy, que retribui a fala com uma risadinha meio sem jeito.

- Eu não perderia essa comemoração por nada.

- É isso que eu gosto de ouvir!

Ele sorri e se afasta, pegando duas bebidas, uma para si e outra para seu acompanhante, mas logo a levanta, chamando a atenção de todos.

- Pessoal, vamos fazer um brinde!

Ele grita com um sorriso no rosto, Timothy levanta a taça timidamente e logo todos estão brindando e se divertindo juntos.

- Uma família divertida, não acha?

Katherine assente à fala do espírito. Parecia ser de fato bem aconchegante... e familiar. Ela nunca imaginaria que seu general passava os natais daquela forma, na casa de sua noiva, com a família dela.

- Sim...

O espírito solta uma risada, enquanto o de cabelos azuis se aproxima.

- Você parece pensativa.

- Não é nada...

O resto da comemoração foi dividida em diversas partes. Após o brinde, conversas paralelas iam e vinham por todos os lados da sala. Conversas sobre a vida, empregos... que logo se tornaram piadas e eventualmente um jogo de adivinhações, onde alguém fazia uma mímica e os outros tinham que advinha sobre quem ou o que aquilo se referia.

Os espíritos do presente observam a garota de relance, que agora tinha um pequeno, quase imperceptível sorriso no rosto, mas sua expressão como um todo deixava claro o quanto ela estava se divertindo com aquilo. Mentalmente, mesmo que sem querer, ia tentando advinha a mímica juntamente com os convidados.

Porém, assim como todos os dias, o dia do natal também precisa acabar, dando espaço para o futuro chegar.

- Precisamos ir.

Os dois falam em uníssono, com expressões tristes apesar de tudo.

- Huh? Ah, sim...

Porém, ao olhar para os espíritos novamente, ela percebe que a aparência de ambos estava mais envelhecida.

- Como disse antes, nosso tempo aqui é breve.

O espírito rosa começa, logo sendo seguido por seu parceiro.

- Nossa vida acaba hoje.

Ambos estendem suas mãos para a jovem, que as segura, dando uma última olhada na festa antes de irem. Eles passam por mais algumas casas e outros lugares, onde a ruiva vê os mais diferentes tipos de celebrações, parando, por fim, no topo de uma igreja, um local onde era possível ver toda a extensão da cidade, de forma que ela nunca havia sido capaz de ver antes.

Entretanto, enquanto admira a visão de cima, o clima vai se tornando cada vez mais frio, fazendo o corpo da garota tremer com um arrepio.

- Espíritos...?

Ao se virar, ela vê apenas cadáveres do que deveriam ser os dois espíritos do presente, que lentamente se decompõem até se tornar pó e serem levados pelo vento. Assustada ela dá alguns passos para trás, esquecendo-se de onde estava.

Quando percebe o quão alto está do chão, já é tarde demais, seu corpo começa a cair rapidamente, enquanto a jovem se debate para tentar novamente flutuar. Ela abre a boca para falar, mas nem um único som sai de sua garganta. Não haviam mais velas para guiar o seu caminho ou tochas para iluminá-lo, tudo que ela conseguia ver era uma escuridão profunda e, por fim, um estrondo.


{Parte V - O Espírito do Natal Futuro}

A soberana abre os olhos assustada, esperando se encontrar em sua cama novamente, mas ao contrário disso, ela sente seu corpo sobre uma superfície dura, arenosa. Ela... havia morrido? Por reflexo, leva sua mão até o coração. Pulsações, batidas aceleradas se faziam presentes, indicando que a vida ainda não havia deixado o seu corpo.

Ela respira fundo algumas vezes, tomando coragem para se levantar e encarar o que deveria ser o último espírito. Dessa vez, ela sabia muito bem que não estava pronta, mas que aprenderia algo com o espírito, assim como havia acontecido com os outros.

Finalmente tomando coragem, ela se levanta devagar, mas diferente do que esperava, não há um quarto, nem mesmo casas existem ali. Era um ambiente vazio, sem árvores, sem animais, sem... vida. Um forte cheiro de pólvora rapidamente invade suas narinas, como se já fizesse parte do ar, do solo e de qualquer coisa que havia ali.

O que estava acontecendo? Por que não havia nada além de um grande vazio ali? Onde estavam as pessoas? Ou as casas? Katherine começa a olhar ao redor, desesperadamente procurando algo em meio ao imenso vazio. Seu olhar repentinamente para em uma sombra, uma figura com uma foice que a espreitava das sombras.



- Você...

Sua voz sai trêmula, assim como todo o seu corpo estava. Ela mal conseguia formular uma frase sequer, mas não desvia o olhar da figura encapuzada nem por um momento, seja isso um ato de bravura ou covardia.

- Você é... o próximo espírito... estou certa...?

A figura misteriosa assente lentamente, com um sombrio sorriso no rosto. A soberana se esforça para dar um passo em direção ao ser, mas seu corpo simplesmente não a obedece.

- O que... por que... onde eu estou...?

Seus olhos buscam no espírito encapuzado desesperadamente uma resposta. Seguindo a lógica ele só poderia ser o espírito do natal futuro, mas o que era aquilo? Aquele... era seu futuro...?

O espírito aponta lentamente em uma direção e vira um pouco a cabeça, encarando fixamente a garota com seu sorriso aterrorizante. Sentindo um enorme medo, ela se força a caminhar, lentamente, na direção apontada. Não leva muito tempo para perceber que o local que estava era uma espécie de buraco, muito fundo, do qual ela se esforça para subir.

Ela fecha os olhos antes de chegar ao topo. Sua respiração ofegante, não apenas pelo esforço, mas pelo medo do que viria a seguir.

- Abra os olhos...

Uma voz lenta e tenebrosa sopra em seu ouvido, a fazendo tremer. Ao sentir uma mão gélida em seu ombro, apenas cerra ainda mais os olhos.

- Eu... eu não...

- Abra...

Ela move a cabeça lentamente para trás e forçadamente abre os olhos, não vendo nada atrás de si, o que a faz apenas tremular ainda mais. Seu olhar vai abaixando devagar, até ir de encontro à sua sombra no chão. Lá, tocando no ombro de sua sombra, com a boca bem próxima ao seu ouvido, estava uma sombra encapuzada.

O aperto em seu ombro apenas aumenta, ao mesmo tempo que expirações fortes saem de sua boca.

- Vire-se...

A voz novamente sussurra. Não, ela não queria encarar o que estava em sua frente. Não queria se virar, ver o seu futuro ou o que quer que fosse aquilo.

- Vire-se!

A voz se torna mais alta, quase como um grito ou uma ordem, que ecoa por todo o seu corpo. Devagar, ela move o rosto novamente para frente, com os olhos semi-abertos, ameaçando fecharem-se.

Todavia, seu olhar levemente escuro capta um líquido vermelho e ela precisa respirar fundo antes de abrí-los totalmente. Sua expressão rapidamente se transforma em dor. Em sua frente, um enorme cemitério se estendia até onde sua visão alcançava, banhado com uma grande quantidade de sangue e enfeitado com diversos corpos.

- Não...

Ela sussurra, dando um passo para trás.

- Isso... isso não pode...

De repente, seu pé é segurado por uma mão gélida, a fazendo congelar no mesmo lugar em que estava. Em seus olhos, lágrimas ameaçam se formar, enquanto a sombra lentamente vai tomando uma forma física.

O espírito, ainda com a mão em seu ombro, mas agora de forma física, sorri. Um grande e aberto sorriso, que a obriga engolir em seco. Muito seco. Seja por causa da pólvora espalhada pelo ar ou pelo cheiro de sangue que de repente passou a fazer parte do aroma daquele vazio, mas sua garganta estava seca. Terrivelmente seca.

- Vá...

A voz novamente soa por seu ouvido, quase como um sussurro. A proximidade dos lábios do espectro eu seu ouvido a faz querer se afastar, mas seus pés continuam presos ao chão. Ela tenta sair do local, fecha os olhos, tenta ir para trás, mas a cada movimento, a mão se torna mais e mais forte em seu ombro, quase como se pudesse quebrá-lo.

- Vá!

A voz grita e o espírito a empurra. Seus pés ficam novamente livres, mas seu corpo rapidamente se move em direção ao cemitério. Antes de cair contra o solo, ela fecha os olhos.

Uma explosão acontece. E então outra... outra... outra.. outra. Outra, outra, outra outra outraoutraoutra.


Ela abre os olhos, ofegante. Sua cabeça estava doendo, na verdade, todo o seu corpo doía sem parar. Relutantemente, ainda no chão, ela levanta o olhar, se vendo em frente a uma lápide de pedra, da qual rapidamente se arrasta para longe.

Suas costas logo se encontram a uma superfície fria, o que a faz se virar, encontrando outra lápide. Assustada, ela se levanta e olha ao redor, procurando o local de onde tinha vindo, mas tudo que conseguia ver eram lápides e mais lápides.

A ruiva coloca ambos os braços para a frente no corpo, segurando a manga de sua roupa com uma das mãos, mas uma substância líquida logo se faz presente, manchando a roupa.

Os olhos aterrorizados movem-se até a região e encara suas mãos trêmulas, agora abertas em frente ao seu rosto. Ambas estavam completamente manchadas de sangue, um sangue vivo, que começa a escorrer por seus braços.

Em desespero, Katherine passa as mãos em sua roupa, na tentativa de se livrar daquele sangue, mas não adianta. Sua roupa se suja cada vez mais e mais... mas o sangue insiste em permanecer em suas mãos.

"Por que?", a pergunta ecoa em sua cabeça. "Por que isso está acontecendo?!"

Seus olhos se movem das mãos até as lápides, notando um detalhe que ainda não havia notado. Em cada uma delas, a marca ensanguentada de uma mão se fazia presente. Em passos lentos, a jovem se aproxima da lápide e estende o braço trêmulo em direção a marca.

Ao tocá-la, percebe que aquela marca tinha o tamanho exato de sua mão.

- Não...

Ela sussurra e olha para a lápide ao lado. A marca de mão era exatamente do mesmo tamanho.

- Isso... isso não pode estar certo...

Sua voz sai baixa, de forma quase inexistente, e ela olha para outra lápide. A mesma marca. Ela se afasta e trás suas mãos para perto do peito, passando os olhos por cada lápide que descansava ali.

Ela dá alguns passos para trás e então começa a correr, procurando alguma coisa, alguma forma de vida, simplesmente... algo... algo além daquele cemitério vazio.

- Criança arrogante...

Uma voz sussurra no ar.

- Você nunca nos conheceu.

O vento frio sussurra perto de si.

- Você nunca se importou com ninguém.

Outra voz ecoa, a forçando a fechar os olhos.

"Não", ela queria gritar. "Eu... eu sempre me importei com todos vocês", mas sua voz não saía. Tudo que ela conseguia colocar para fora eram soluços de choro, que se juntavam às suas lágrimas.

- Isso é tudo culpa sua.

"Parem..."

- Todas as mortes são apenas a sua culpa.

"Parem."

- Essa é apenas a sua punição.

- Isso é o que você merece.

As vozes continuam, cada vez mais altas, até o ponto em que Katherine não consegue nem mesmo ouvir mais os próprios pensamentos.

De repente, seu corpo para de ir para frente. Em vez disso, ele vai direto para o chão, mas ela não se importa mais. Não se importa mais em se levantar ou correr, apenas se encolhe naquele chão arenoso, com as lágrimas nunca parando de escorrer.

Em um certo momento, entre a visão embaçada pelas lágrimas, uma sombra aparece. A garota se senta, encarando a sombra que já reconhecia bem.

- Espírito...

Uma voz rouca e cansada sai de sua garganta, sem nem mesmo saber ao certo o que iria falar. Em vez disso, o silêncio volta, sendo quebrado apenas pelas lágrimas se encontrando ao chão e soluços solitários.

A sombra desaparece, mas a ruiva nem mesmo se importa em acompanhá-la, logo sentindo uma presença mortal atrás de si.

- Espírito...

Ela novamente fala e começa a enxugar as lágrimas com as mangas do vestido, sem nem mesmo se importar com o fato de estarem sujas de sangue.

- O que... como... como as coisas... terminaram... deste jeito...?

Ela pergunta, mesmo temendo a resposta. As vozes de antes a deram um bom palpite sobre o que provavelmente tinha acontecido.

- Uma traição...

A sombra diz, com sua habitual voz sombria e ao mesmo tempo estranhamente lenta e calma.

- Uma traição começou em seu exército... se espalhando entre alguns de seus homens... você estava ocupada demais com suas próprias opiniões... e não notou que seus próprios companheiros não eram a favor da sua forma de agir...

Uma traição... ah, sim... fazia sentido... uma memória da festa pisca em sua mente perturbada; algumas pessoas não concordavam com sua forma de agir. E então, uma memória das festas de seus generais; onde sua arrogância e prepotência realmente prejudicavam as pessoas mais próximas a si.

Com as lágrimas agora enxugadas, ela encara melhor a lápide em sua frente, cujo nome pode ser lido apenas "Ka".

- Espírito...

Ela pergunta apreensiva e engole em seco.

- Isso é...

O espírito sorri, se abaixando, até ficar na altura que a jovem se encontra, enquanto aproxima seus lábios frios do ouvido da mesma.

- Aproxime-se...

A mão gélida do espectro toca as costas da garota, que sente um calafrio, mas se levanta e se aproxima devagar. Sua mão treme por todo o caminho até tocar na lápide, falhando no momento em que ela deveria limpar a região do nome. Seu corpo congela, sem que ela consiga se mover.

Contudo, o espírito sopra, um vento forte se mais presente, a obrigando a colocar os braços na frente do rosto. Quando os abaixa novamente, consegue ver claramente o nome em sua frente.

KATHERINE VOYAGER

Suas pernas tremem e seus joelhos se encontram ao chão, com as lágrimas voltando a se fazerem presentes.

- Espírito...

De repente, uma foice é colocada em seu pescoço. Em sua frente, a criatura encapuzada sorri abertamente, pressionando a garganta da garota com a foice.

- Es... espere...

Ela se força a falar, enquanto o chão embaixo de si começa a afundar.

- Espere! Me deixe... fazer... só mais uma... pergunta...

Ela estende o braço em direção ao espírito, que apenas pressiona ainda mais a foice, sem tirar a expressão sombria do rosto.

- Isso... esse futuro... ainda pode ser mudado?!

Sua garganta seca se esforça para falar, enquanto toda a sua visão já e coberta por areia.

- Por favor! Me diga que ainda pode ser mudado!

Ela grita e então o chão embaixo de si desaparece, a levando para mais uma queda livre. Assustada, ela fecha os olhos e apenas espera por seu fim.


{Parte VI - A Festa de Natal}

Os olhos verdes se abrem devagar, precisando piscar algumas vezes até se acostumarem com a claridade. Os raios de sol entravam pela janela que, por algum motivo, não estavam cobertas pela cortina.

Eles caminham por todo o cômodo, verificando se não era mais uma visita repentina de sua musa ou dos espíritos. Espíritos? Ah, sim. As memórias do que aconteceu vão voltando aos poucos, até Katherine perceber que não estava morta. Ela estava viva.

Ela se senta na cama, confusa em relação ao dia e horário, o natal já havia passado? E a festa para arrecadação?

Ela se levanta e rapidamente vai em busca de respostas, que logo encontra. Sua expressão de confusão logo é substituída por uma súbita felicidade.

- Dia 25... hoje é dia 25.

Ela fala para si mesma. O natal não havia passado, aquilo era quase como uma segunda chance para si mesma, para se redimir, para mudar o futuro sombrio que havia visto.

O resto da sua manhã ocorre normalmente. Ela se arruma e depois vai em direção ao seu escritório, porém, pouco antes de entrar, avista Timothy e Barnabas, que aparentemente também haviam acabado de chegar.

- Bom dia, soberana.

Os dois falam ao vê-la. Timothy ajeita a postura quase que automaticamente, a mantendo ereta e com os braços atrás das costas.

- Bom dia.

As lembranças de suas próprias festas de natal vem à mente da soberana. Os membros de suas famílias esperando, as comemorações, ceia...

- Senhor Capella e senhor Decrux, eu os darei um dia de folga por hoje, mas não se atrasem amanhã.

- Huh?

Uma expressão confusa se forma no rosto de ambos, inclusive em Barnabas, que costumava ser bem contido quanto à isso.

- Feliz natal.

A ruiva abre um pequeno sorriso e então cruza para dentro da sala, deixando os dois do lado de fora, sem saber o que fazer. Depois de entrar, ela pede a uma musa para confirmar a sua presença na festa natalina e para prepararem um vestido para ela, mesmo que de última hora. Por fim, inicia os seus trabalhos diários, fazendo o que pode sem Timothy e Barnabas, afinal, apesar de tudo, ela ainda precisava manter as coisas em ordem, mesmo no natal.

A medida que o sol se põe, ela finaliza suas obrigações mais cedo, voltando para o seu quarto com o objetivo de se preparar para a festa, além de também ter preparado uma pequena quantia de dinheiro para doação.

*****



Quando as portas do salão se abrem para a sua entrada, é como se um novo mundo se abrisse. Ela já havia estado ali antes, mas era completamente diferente realmente estar... lá. Em uma grande mesa, a ceia começa a ser preparada e organizada, garçons com bebidas andam por todos os lugares, servindo os convidados. E as decorações... tudo estava perfeitamente decorado para a comemoração. A jovem observa tudo com um certo olhar de admiração.

- Soberana, feliz natal! É uma honra tê-la aqui hoje. Fico feliz que tenha reconsiderado.

O organizador do dia anterior se aproxima, com um sorriso de felicidade, mesmo que ainda se contendo um pouco para não se aproximar demais.

- É um prazer estar aqui. Feliz natal.

Ela repousa as mãos em frente do corpo enquanto fala, em um tom sério, mas ainda assim, incrivelmente gentil.

- Nós recebemos a sua doação, tenho certeza que as crianças ficarão imensamente felizes com a arrecadação.

- Eu tenho certeza que sim.

Ela responde, passando o olhar rapidamente pelo salão e procurando outros rostos minimamente conhecidos, mas logo voltando a prestar atenção no homem.

- Bem, se me der licença... espero que aprecie a festa.

Ela assente e o observa se aproximar dos outros dois que ela viu juntamente com os espíritos do presente. Enquanto andava, algumas pessoas a cumprimentavam. Alguns representantes das famílias principais de Júpiter também se aproximavam para falar com a mesma.

Entretanto, algum tempo depois, seu general mais novo se aproxima, um pouco sem jeito e claramente sem saber como deveria tomar a frente e iniciar uma conversa com a garota.


- Precisa de algo, senhor Decrux?

Ele se aproxima timidamente e coloca as mãos para trás, em um ato que já havia se tornado quase que um hábito em todos os momentos que interagia com a soberana.

- Eu apenas gostaria de agradecê-la por mais cedo... obrigado.

Ela fica surpresa ao ouvir aquelas palavras, sem saber ao certo como deveria responder. Na verdade, eram raros os momentos em que alguém realmente a agradecia. Por fim, apenas assente e abre um pequeno sorriso.

- Feliz natal, soberana.

- Feliz natal.

Ela responde e o observa se afastar, em direção à saída, provavelmente para ir até a celebração na casa de sua noiva.

O resto da noite ocorreu normalmente. Como antes, muitas pessoas iam cumprimentá-la, seja por estarem felizes por vê-la ali, ou por estarem surpresos pela sua presença. Independentemente do motivo, muitos convidados, principalmente membros das grandes famílias, passaram a se aproximar e conversar.

Com o dinheiro da sua própria doação, todas as crianças que eram ajudadas pela organização, inclusive o pequeno Tim, receberam o tratamento adequado e festejaram muitos outros natais futuros. Assim como a própria Katherine, que aprendeu não apenas a apreciar e comemorar o natal, dar compreensão e gentileza, em apenas um único dia do ano, mas sim todos os dias, durante todos os outros anos que vieram.

E para todos que estão lendo esse conto. Feliz Natal!

49 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Mechas

bottom of page